Este ensaio é o resultado de uma pesquisa familiar na busca de identificar o que sou e o que carrego deles. Eu revirei o meu limitado acervo fotográfico familiar e resgatei algumas imagens das quais me aproprio e ressignifico por meio da colagem. Afinal, não conheci Lurdes, não conheci Maria, não conheci Benedito, e muito menos Giuseppe e Pierina, e mesmo assim, carrego-os no meu rosto, na minha personalidade, no meu corpo e no meu nome. É uma história da qual fiz parte sem estar presente, por isso hoje a reconto para mim mesma através da fotografia. Entre água e terra, entre lavar e ser levado pela água, a minha família foi se constituindo.

Era o final do século 19 e Giuseppe e Pierina cruzaram o oceano Atlântico na esperança de começar uma vida próspera no Brasil. Como a própria história relata, muitos italianos migraram nesse período para trabalhar nas fazendas cafeicultoras da região Sudeste do Brasil, e foi assim que começou a história da minha família, os Piccoli, em uma fazenda próxima a Poços de Caldas, MG. Meus bisavós se casaram em 1907 e deram luz ao meu avô Benedito e mais 4 filhos.
Benedito casou-se com Maria e tiveram 10 filhos. A primogênita Lurdes teve uma vida curta, de apenas 13 anos, e, como Nossa Senhora Aparecida, seu corpo ficou entre as águas. Ela foi enterrada junto da segunda gravidez de minha avó, dois meninos gêmeos, estes que por sua vez não chegaram a ser nomeados. Os túmulos foram invadidos pelas águas da represa Bortolan e desde então permanecem submersos.
A morte de Lurdes afetou profundamente minha avó, uma mulher resiliente e de pouco afeto. Meu pai conta que quando criança ele e seu irmão Antônio foram com ela a um riacho para lavar roupa e que ela ficou enfurecida com a brincadeira deles na água, arremessando uma pedra do tamanho de um tijolo, sorte que não atingiu ninguém. Minha avó Maria faleceu precocemente de tuberculose, o que afetou meu pai José, que tinha apenas 13 anos. Como consequência do falecimento da matriarca, a família se dispersou em novos núcleos. Alguns filhos já haviam se casado, mas principalmente as filhas mulheres já residiam há anos nas chamadas "casas de família", onde desempenhavam a função de "pajem".

As fotos, as louças, as roupas, tudo que pertencia à minha avó foi levado embora pelas mulheres da família, e na casa ficaram apenas meu avô, meu pai e meu tio Antônio. Com o tempo, eles aprenderam a cuidar de si mesmos e da casa. Sete anos depois, meu pai casou-se com minha mãe Silvia, e ainda muito jovens, iniciaram uma família de três filhos.
Após o falecimento de meu avô em 1991, meu tio Antônio ficou sozinho na casa e, como minha avó e meu pai, a morte o afetou profundamente. Como consequência, a dependência alcoólica intensificou-se, e meu tio foi se afogando aos poucos na bebida até que ela o sufocasse por completo em 2015.

Pouco sei sobre minha família paterna, afinal, as águas foram lavando e levando embora nossa memória, a mesma água que proporcionou o início também selou o fim.